O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) decidiu que empresas da construção civil não precisam descontaminar integralmente terrenos destinados à moradia, como exige o Ministério Público do Estado. O entendimento se deu em uma ação civil pública ajuizada pelo órgão contra uma incorporadora que havia adquirido uma área onde antes funcionava um posto de combustíveis.
A questão tem forte impacto econômico para as empresas do setor. Os custos com a recuperação de áreas, se aceitos os argumentos do MP, quintuplicariam. Da maneira como é feito hoje, segundo especialistas, o processo já é caro: a um grande empreendimento pode, por exemplo, chegar uma conta de R$ 100 milhões.
A decisão é a primeira sobre o tema que se tem notícias na segunda instância. Há ao menos outros 40 casos semelhantes em andamento – entre ações e inquéritos civis. Advogados afirmam que o Ministério Público iniciou um movimento, a partir de 2013, em busca da celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) com incorporadoras. O argumento era que a reparação em tais moldes é exigida pela Constituição Federal.
Desembargador da 1ª Câmara Reservada ao Direito Ambiental do TJ-SP e relator do caso, Ruy Cavalheiro reconhece, no acórdão, que o artigo 225 da Constituição Federal prevê o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado. Entretanto, enfatiza que “não se mostra razoável exigir a adoção de solução técnica distinta daquela imposta pelo órgão ambiental”.
Em São Paulo, a Lei Estadual nº 13.577, de 2009, regulamentada pelo Decreto nº 59.263, de 2013, dispõe sobre diretrizes e procedimentos para a proteção do solo e o gerenciamento de áreas contaminadas – e a remediação integral não é exigida. A norma estadual estaria ainda em acordo com a Resolução Conama nº 420.
“A defesa do direito à reparação integral e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, quando em desacordo com os demais princípios e com os valores comunitários, pode gerar arbitrariedades que não devem ser permitidas”, afirma no acórdão Ruy Cavalheiro.
A legislação estabelece que, nesses casos, deve ser feita a remediação para “uso declarado” – ou seja, o necessário para devolver as condições de uso da área e não a integral descontaminação do solo.
A Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), responsável pela fiscalização, faz uma análise de risco do empreendimento e só libera o certificado de uso – que permite a construção – depois que todas as etapas estabelecidas em lei estiverem cumpridas. O imóvel recebe quatro carimbos: contaminado, em recuperação, em monitoramento e, o último, de uso declarado.
Representante da empresa no caso, o advogado Douglas Nadalini, sócio do Duarte Garcia, Caselli Guimarães e Terra Advogados, diz que a incorporadora seguiu as regras estabelecidas pelo órgão ambiental. Ele afirma ainda que são exigidos “índices de qualidade extremos” para que o imóvel tenha o uso declarado.
“O Estado de São Paulo tem a legislação brasileira mais moderna para tratar de remediação de áreas contaminadas. É inspirada em leis da Alemanha”, aponta o advogado. “As simulações envolvem testes de inalação e ingestão. Parte-se do extremo, como atestar que uma pessoa não correrá riscos se comer o solo daquele local por um período determinado”.
O advogado complementa que as exigências do MP – de recuperar integralmente a área – inviabilizariam qualquer negócio. “Teria que se fazer escavações tão absurdas, trazer solo limpo de outros lugares e fazer tratamentos de água pesados e extremamente caros. Além disso, sem nenhuma certeza de sucesso.”
Especialista na área, Ana Carolina Famá, do Viseu Advogados, entende como acertada a decisão do TJ-SP. “As empresas têm de procurar o órgão ambiental competente para receber as orientações e cumprir com o que foi determinado”, diz. Decisão diferente, ela afirma, traria insegurança jurídica.
Por outro lado, a advogada não interpreta como errado o conceito que o Ministério Público prega. “Porque a Constituição perpetua que a reparação deveria restituir o equilíbrio ecológico do ambiente. Há diferença para o posicionamento dos órgãos ambientais, que é mais técnico e próximo à realidade.”
A advogada Luciana Gil Ferreira, sócia do Bichara Advogados, lembra que a decisão de primeira instância foi em favor do Ministério Público – e que assustou os empresários. “Eu mesma enviei alerta aos meus clientes. Essa situação é muito preocupante porque quando se adquire um imóvel, assume-se o passivo da contaminação. A segurança de uso está justamente nas normas vigentes. Então, não dá para, de repente, rasgar tudo o que existe”, diz a advogada.
Para a especialista, discussões sobre a constitucionalidade das leis vigentes deveriam ser parte de um outro processo. Ela entende que o MP deveria ter ajuizado ação específica para declarar a inconstitucionalidade da legislação federal e estadual e não cobrar da empresa algo que não está previsto.
Procurado pelo Valor, o Ministério Público do Estado de São Paulo não deu retorno até o fechamento da edição.
Joice Bacelo
Valor Econômico
03/06/2016